Caligrafia: A mão que ensina o cérebro

21 de Janeiro 2021

Inventada pelos sumérios, na antiga Mesopotâmia, a escrita à mão é tão antiga que nem nos ocorre questionarmo-nos sobre ela. E hoje, num mundo tecnológico, qual é a nossa relação com a caligrafia?

Com mais de 3500 anos, podemos afirmar, com convicção, que o mundo não seria o mesmo sem os caracteres deixados pela tinta primeiro em barras de argila, depois em madeira, papiro, pergaminho e, finalmente, em papel. E o ser humano também não.

Tudo mudou com a invenção de Gutenberg, no século XV. E voltou a mudar com a máquina de escrever, na segunda metade do século XIX. E mais ainda com o computador, já século XX adentro. Apesar disso, escrever à mão continua a ser uma habilidade imprescindível, que nos afeta como pessoas desde que aprendemos as primeiras letras.

“Escrever é um ato mental, mas que tem o corpo associado. Há uma clara ligação da mão ao cérebro, que permitiu o desenvolvimento específico da espécie humana”, refere Nuno Leitão, diretor pedagógico da Cooperativa de Ensino A Torre. Marta Gonçalves, psicóloga educacional, acrescenta que “escrever à mão influencia a coordenação viso-motora de forma diferente do que escrever no teclado, uma vez que trabalha competências diferentes” e que “a motricidade fina é muito trabalhada com a caligrafia”.

Escrever à mão, formando palavras, envolve a mente e promove o pensamento estruturado. Ativa o nosso cérebro como um todo – e, por isso, conseguimos lembrar-nos melhor de coisas que escrevemos – e ajuda-nos a desenvolver o vocabulário e a ortografia. Tem uma importante função cognitiva, e, observa Nuno Leitão, também uma dimensão metacognitiva: “O texto escrito à mão é um texto menos automático do que no teclado. É mais pensado, mais sentido. A substância do que tenho para dizer é mais criativa quando escrevo à mão. Há uma maior intencionalidade no que quero transmitir.”

A palavra “caligrafia” – do grego kalli, “beleza” + graphẽ, “escrita” – significa, quase que literalmente, “escrita bela”.  Antes da invenção da imprensa, os calígrafos eram copistas, de letra imaculada, que transcreviam os livros. Dessa forma, o conhecimento ficava armazenado, numa letra legível e agradável à vista. “Quando os copistas escreviam um livro, que era para ficar, não o faziam na sua letra normal de todos os dias”, explica o calígrafo João Brandão. “Com a impressão, isto desaparece, e o calígrafo deixa de ser copista para passar a ser uma espécie de artista”, diz.

Há uma caligrafia mais prática – para todos e, ao mesmo tempo, especificamente para cada um de nós – e uma caligrafia mais erudita, que é uma arte, um culto.

“É o recuperar da tal letra para os livros”, explica João Brandão. “As pessoas estão a voltar a valorizar a manualidade. Vivemos num mundo muito tecnológico, muito industrializado, e há um cansaço disso, sente-se a necessidade de fazer um contraponto. Mesmo no design, a caligrafia voltou a estar na moda. Agora vamos a um supermercado e as letras dos cartazes são em giz, as hamburguerias gourmet têm todas ardósias com a lista escrita à mão, e há letras à mão em t-shirts… a caligrafia está mais presente que nunca.”