Precisamos de falar

17 de Fevereiro 2023

Educar em tempos de incerteza traz desafios acrescidos. Como dar respostas e esperança a uma geração cujo futuro será marcado pelas consequências das alterações climáticas?

O futuro é “assustador”. É o que sentem 75% dos jovens, segundo o maior estudo científico   realizado sobre a ansiedade provocada pelas alterações climáticas e o seu impacto nas novas gerações. Neste cenário, muitos pais sentem-se perdidos perante filhos que parecem imersos em emoções negativas e desesperança. Numa idade em que deviam ter uma energia transbordante e sentir que o mundo é seu, estão muitas vezes apáticos, depressivos ou ansiosos.

“Não vale a pena” é uma expressão que Assunção Neto, psicóloga clínica, ouve cada vez mais em consulta. “‘Não vale a pena estudar, não vale a pena qualquer esforço ou investimento a pensar no futuro.’ Este é um tipo de manifestação muito comum face a todo o quadro de incerteza relativo à crise ambiental. E revela uma resposta de paralisação. É o sistema nervoso autónomo a reagir”, explica.

Ao seu consultório chegam cada vez mais adolescentes, e cada vez mais novos, com sintomas que são reações, muitas vezes inconscientes, à preocupação com o futuro. O desligamento pode fazer parte de uma resposta de stress a um perigo iminente. “Pode chegar a haver desmaios como consequência deste estado psicológico”, revela a psicóloga.

O facto de a ameaça estar no futuro não reduz o seu impacto. “A resposta pode ser tão intensa como se se tratasse de uma ameaça presente e imediata. E pode surgir apenas por se pensar no assunto ou perante notícias de catástrofes. Ou ainda em situações em que é preciso fazer planos para um tempo que há de vir”, explica Assunção Neto.

Importa sublinhar que estas respostas não são patológicas. “São respostas de sobrevivência”, afirma a psicóloga. “O problema é que quando se prolongam no tempo, quando são acionadas com muita frequência, deixam de ser adaptativas – é o que acontece face a uma ameaça como as alterações climáticas”, esclarece.

Muitas vezes, os adolescentes não falam sobre o que os preocupa. Como podem os pais perceber que algo não está bem? Assunção Neto aconselha a terem atenção à expressão corporal das emoções. Se o desmaio é uma situação extrema e pouco frequente, há muitas outras que são comuns. “A ansiedade pode manifestar-se através de dores de barriga ou de garganta. A tristeza é um peso no peito. O sentimento de impotência revela-se pela prostração e falta de energia generalizada. Movimentos repetitivos nas mãos e nas pernas ou maxilares cerrados revelam raiva”, revela a especialista.

Os jovens perderam a ilusão de controlo e o otimismo irrealista

“Para manter a sanidade mental, precisamos de uma dose de otimismo irrealista e de uma dose de ilusão de controlo.” Quem o diz é José Palma-Oliveira, professor e investigador na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa e especialista em Comportamento Humano e Ambiente. “São condições fundamentais para fazermos planos e para termos alguma ambição. A geração dos millennials e as seguintes perderam ambas”, considera.

A preocupação com as alterações climáticas, e, consequentemente, com o futuro, afeta negativamente os jovens. Ter esperança e otimismo é absolutamente necessário nestas idades.

“Para estes adolescentes e jovens, o ambiente é um valor fundamental. Foram educados para o preservar e estão altamente envolvidos. Acontece que serem confrontados, no presente, com os efeitos das alterações climáticas – com notícias de incêndios como nunca houve, secas extremas, falta de água e degelo – leva a uma perceção de ameaça e de perda de controlo, o que conduz também à perda do otimismo irrealista”, explica. “É por isso que há cada vez mais casos a precisar de apoio psicoterapêutico”, conclui.

Como ajudá-los a recuperar?

Assunção Neto não tem de pensar muito antes de responder: “Em primeiro lugar, ouvi-los e valorizar a resposta que nos dão. Se não falarem espontaneamente, que é o mais frequente, criar oportunidades, mas sem inquirir. Exemplo: estão prostrados, sem energia. Em vez de dizer ‘não sejas preguiçoso’, vamos sentar-nos junto do nosso filho, com disponibilidade, e perguntar-lhe ‘O que sentes quando estás assim? O que achas que te deixa sem energia?’. E depois, valorizar as respostas. Nunca responder ‘não há razão para te sentires assim’. Se o sentimento existe, ele é sempre válido. Valorizar os sentimentos dos filhos é fundamental.”

O segundo conselho da especialista é passar à ação, ou seja, os pais encontrarem, junto com os filhos, atividades que promovam o bem-estar e a recuperação da perceção de controlo. “Alterar comportamentos do dia-a-dia que possam contribuir para um futuro melhor, mesmo que sejam pequenas alterações, é importante e mostra que os pais também estão envolvidos”, considera Assunção Neto. “Se a descrença for grande, aconselho a metáfora do mosquito – se pensas que és demasiado pequeno para fazer a diferença, tenta dormir com um mosquito no quarto”.

Por fim, facilitar e promover o envolvimento dos filhos em grupos, movimentos onde encontrem pessoas da mesma idade e com a mesma sensibilidade. “Procurar grupos sustentados, que organizam, por exemplo, ações de limpeza de praias, é um bom começo. Este envolvimento cria a perceção de que a sua ação é útil e reduz o sentimento de impotência. Além de que o contacto com a natureza, só por si, também ajuda. É muito benéfico em todos os aspetos, com um efeito regenerador que traz imenso bem-estar”.

“Alterar comportamentos do dia-a-dia que possam contribuir para um futuro melhor, mesmo que sejam pequenas alterações, é importante e mostra que os pais também estão envolvidos.”

Assunção Neto, psicóloga clínica
* Publicado em dezembro de 2021, na revista The Lancet Planetary Health, com o título “Climate anxiety in children and young people and their beliefs about government responses to climate change”. Foram ouvidos 10 mil jovens com idades entre os 16 e os 25 anos, de 10 países, incluindo Portugal.