Na última edição da revista My Planet, desafiámos dezenas de pessoas a refletir sobre a Incerteza e a forma como ela pode ser transformada em oportunidades de crescimento. A atriz Ana Sofia Martins conta que é a imprevisibilidade que a estimula a deixar a sua zona de conforto. “Temos de dar espaço para que surjam coisas novas”, afirma.
Fala-nos com segurança e sem rodeios, abordando abertamente o facto de ter ficado privada da presença da mãe quando tinha apenas cinco anos. “O primeiro momento de verdadeira incerteza de que tenho memória foi a noite em que a minha mãe decidiu sair de casa”, relata Ana Sofia Martins. E lembra que o seu pai teve desde logo respostas prontas. “Tive a sorte de ter um pai muito pragmático. Com um par de decisões em relação ao essencial, a vida continuou.”
Com a determinação do pai e a ajuda de pessoas próximas, Ana Sofia, juntamente com o irmão, prosseguiu o seu caminho numa carreira que haveria de ser conquistada a pulso, entre o mérito e a capacidade de decidir nem sempre da forma mais confortável.
Aos 15 anos foi convidada para iniciar uma carreira de modelo que abriria portas para o que viria a seguir. Conheceu outros países e pessoas, conquistou prémios, saiu do anonimato. Ganhou mundo e reconhecimento. Ana Sofia faz questão de frisar que nunca se quis acomodar: “Na carreira de modelo há muita oferta, e nada garantia que me iriam escolher para participar nesta ou naquela campanha em detrimento de outra pessoa”. Esta consciência despertou-lhe a vontade de ganhar consistência, de obter outras valências: “Não queria ser apenas mais uma carinha bonita com a qual as pessoas simpatizavam”. Queria, isso sim, e como diz hoje, “ganhar conteúdo”. O gosto pela leitura ajudou a reforçar competências. Isso e uma vontade de “estar atenta ao mundo”. Ou, como sublinha: “Nunca quis ficar sem assunto”.
“Para mim, a incerteza é apenas o início de algo diferente, um novo ciclo que se abre. Nunca devemos achar que estamos perante a etapa final. Criei um espírito de sobrevivência que está sempre presente, mas também a convicção de que existirá sempre uma solução”, reflete a atriz.
Há pouco mais de dois anos entrou, assumidamente, num campo de indefinição. Tinha um contrato de exclusividade com um canal de televisão que lhe trazia estabilidade, mas optou por rescindir. “Há quem considere que a vida é feita de ir do ponto A ao ponto B”, explica-nos, para adiantar: “Há o percurso mais óbvio, mas depois existem outros, aparentemente laterais, que vão dar a oportunidades escondidas, sítios fantásticos. Às vezes é bom ir lá descobri-los e, quem sabe, até nem voltar para encontrar aquele que achávamos que era o principal. Há que saber desfrutar da jornada!”.
Foi este desvio que decidiu fazer em determinada altura. “Se não agirmos, nada acontece; e não espero por ninguém para o fazer”, afirma Ana Sofia Martins. “Temos de dar espaço para que surjam coisas novas. Encarar a incerteza com vontade e sentido prático e seguir em frente”, diz-nos. Neste caso, o objetivo era claro e foi preparado. A carreira recente da atriz demonstra que deu resultado. “Se tivesse ficado, provavelmente as coisas magníficas que me aconteceram não teriam ocorrido. Fiz uma série internacional, com grandes atores, tenho a oportunidade de trabalhar com outros canais, outras pessoas, conhecer outras formas de ver e de fazer”.
Aproveitar as emoções
Ana Sofia subscreve na íntegra uma expressão emblemática da série internacional em que participou, chamada “Devils”, proferida por um dos personagens principais: “We don’t fear change, we make it” .
Nos seus tempos de apresentadora esteve também encarregue temporariamente dos designados “programas da tarde”, uma experiência bem diferente: “É um público específico, temos de adaptar a forma de comunicar. Foi desafiante nas temáticas, muitas incertezas na vida das pessoas que geram emoção. Um programa em direto, em que lidamos com a vida real das pessoas, não é um ambiente controlado, há imprevistos”.
Se pensarmos no carrossel de emoções a que o ser humano está naturalmente sujeito, muitas vezes questiona-se até que ponto os atores conseguem abstrair-se dos seus próprios estados de alma e não passar isso para os personagens. A atriz tem outra abordagem e desmistifica o problema: “Até pode dar jeito acordarmos chateados por alguma razão. Sempre que isso acontece vou ver as cenas que tenho para filmar nesse dia. Se o estado de espírito do meu personagem for idêntico ao meu, as coisas saem, normalmente, com grande naturalidade. Aproveito muito bem a má disposição. Já que ali está, vamos usá-la!”
A infância de Ana Sofia Martins trouxe-lhe uma tendência natural para querer controlar tudo o que está à sua volta. Confessa que sentiu necessidade de fazer terapia para atenuar essa propensão. “Costumo dizer que na minha vida há um AT (antes da terapia) e um DT (depois da terapia). Foi muito bom, porque ensinou-me que eu não tenho de controlar tudo. Já não sofro tanto com isso.”
E dá um exemplo: “Se lá em casa tiramos duas semanas de férias, a primeira é planeada como eu quero, a segunda é como o meu marido quer. Isto é deliberado e está combinado assim. Para a primeira está tudo definido ao detalhe, a segunda é o improviso total, porque ele neste aspeto é o oposto de mim, tem um espírito muito mais descontraído. O que tenho verificado é que na segunda semana há mais espaço para acontecerem coisas giras, inesperadas, algumas mesmo magníficas. Acho que devemos aprender a viver com a imprevisibilidade, controlar tudo é uma ilusão”.