Tsundoku: os livros nunca são demais

6 de Setembro 2022

Há uma palavra japonesa para o hábito de adquirir livros em maior quantidade do que o ritmo a que se consegue lê-los. O termo junta a expressão “tsunde oku” que significa empilhar e deixar de lado por algum tempo, e a palavra “doku”, que significa ler. Tsundoku implica acumular livros para ler mais tarde e não apenas colecionar, só por si. Por isso, quem é adepto convicto desta prática tem muitas vezes pilhas de livros em casa, fora das estantes, que estão numa espécie de fila de leitura. O que acontece é que o tempo é limitado e essas pilhas raramente vão diminuindo.

O termo foi usado pela primeira vez num livro de 1879, com um certo tom satírico. No entanto, hoje, a palavra é usada sem qualquer tipo de julgamento e sem intenção pejorativa. Ao tornar-se conhecida no ocidente, há alguns anos, a palavra tsundoku gerou uma sensação de alívio nas pessoas que se identificaram com a descrição. Em blogs, posts, revistas e jornais, em crónicas e desabafos, muitos admitiram serem mestres de tsundoku e revelaram-se aliviados por não serem os únicos. O que antes poderia ser encarado como um hábito compulsivo, passou a ser motivo de um certo orgulho.

Afinal, havia uma palavra para nomeá-lo, criada na sábia cultura japonesa. Muitos saíram do armário da culpa e assumiram-se como amantes da acumulação de livros. O “orgulho tsundoku” foi alimentado por visões filosóficas da vida: quem acumula livros por ler continua a querer aprender. É, portanto, sinal de uma mente aberta, inconformada e com sede de conhecimento.

O cheiro dos livros traz emoções

A relação que muitos criam com os livros, e que conduz ao hábito de os acumular, seja os já lidos, seja os que ainda estão por ler, está ligada de forma íntima à experiência sensorial da leitura em papel. O cheiro e o toque de um livro, o seu peso nas nossas mãos, fazem diferença na experiência da leitura.

A ciência já estudou, de vários ângulos, o poder de um livro impresso. Há várias pesquisas dedicadas, por exemplo, à questão do cheiro, que é um poderoso ativador de memórias. A química está sempre presente, mas são as emoções que, em última análise, explicam o que se sente. Investigadores da University College London pediram a um grupo de pessoas que descrevessem determinados cheiros, sem terem conhecimento do que estavam a cheirar. Um terço dos participantes descreveram o cheiro de um livro antigo como sendo chocolate. O café foi o segundo aroma mais referido. “Dado que o café e o chocolate provêm da lenhina natural fermentada e torrada, e de produtos que contêm celulose, eles partilham muitos compostos orgânicos voláteis com o papel envelhecido”, explicam os autores do estudo.

Uma outra investigação, da Temple University e dos Correios dos Estados Unidos, abordou a questão do toque, comparando as respostas emocionais à leitura em papel e em meios digitais, através de vários indicadores, como batimentos cardíacos, sudação, movimentos e respiração. Houve sempre uma resposta emocional mais substancial durante a leitura dos documentos em papel. Se pensarmos na emoção que sentimos ao imprimir um texto ou um trabalho importante, como uma tese, ao sentir o seu peso e toque nas nossas mãos, percebemos a diferença que pode fazer a sensação física. É por isso que guardamos postais ou notas que recebemos de pessoas que amamos, bilhetes de espetáculos que adorámos, ou os convites de casamento dos melhores amigos. Tê-los nas nossas mãos remete para as emoções que sentimos.

Sendo o olfato e o toque poderosos ativadores de memórias e de emoções, é fácil concluir que, para quem gosta do prazer único de uma boa leitura, o livro em papel seja um objeto insubstituível. Um objeto com o qual criamos, muitas vezes, relações afetivas. É por isso que é difícil, para tantos de nós, desfazermo-nos dos livros e, para os mais “emotivos”, mesmo emprestá-los pode ser impensável.

“Não tenho nenhum sentimento de culpa perante os livros que li e provavelmente nunca lerei; sei que os meus livros têm uma paciência ilimitada. Vão esperar por mim até ao fim dos meus dias.”

Alberto Manguel, in “A biblioteca à Noite”